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Estátua vandalizada de Chico Mendes. (Foto de Juan Diaz / Reprodução De Olho nos Ruralistas):

Bolsonarismo ameaça legado de Chico Mendes

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Criação de gado dentro da reserva extrativista e projeto de redução de área engrossam ataques em série à memória de líder sindicalista. Darly Alves, condenado como mandante do crime, e os filhos participam de grupos bolsonaristas no Acre.

No dia 6 de agosto – data da Revolução Acreana – o município de Xapuri inaugurava a estátua do líder seringueiro Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988 a mando de fazendeiros locais. O momento foi de homenagear o sindicalista, mas também de expressar preocupação com a situação das comunidades extrativistas que vivem na região.

Agrônomo e assessor de Chico Mendes na formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Gomercindo Rodrigues, o Guma, fez um longo discurso em que recordava a história do amigo e lembrava os muitos ataques que seu legado vem sofrendo 34 anos após seu assassinato. Com uma das mãos no pé da estátua, Guma, que se formou em Direito após o crime, citou as inúmeras tentativas de tentar manchar a imagem do sindicalista e fez um alerta: “A situação dos seringueiros na região hoje é muito parecida com a que eles viviam na época em que Mendes foi assassinado”, destacou.

Gomercinho Rodrigues discursa na inauguração da estátua de Chico Mendes em Xapuri. (Foto: Natanael Silva/De Olho nos Ruralistas)

A equipe de reportagem do De Olho nos Ruralistas acompanhou a inauguração e constatou uma impressão comum entre os entrevistados de que a sensação de insegurança se assemelha àquela vivida no fim dos anos 1980. Entre os pontos em comum, as fontes destacam a pressão da pecuária sobre os territórios de extração da borracha e o discurso de ódio contra os povos do campo.

Os personagens também não são muito diferentes. Segundo relatos, Darly Alves, o fazendeiro condenado como mandante do assassinato do líder sindicalista, participa de grupos bolsonaristas que fazem ataques aos seringueiros e à história de Chico Mendes. Alguns de seus filhos fazem ataques recorrentes.

A estátua de Mendes fica na frente do sindicato, ao lado da Igreja da Matriz. Menos de 200 metros dali, o Centro de Memória Chico Mendes permanece fechado. A casa simples – de madeira, pé direito baixo e com o banheiro na parte externa – é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Foi na parte detrás dela, às margens do Rio Acre, que os pistoleiros atiraram contra o seringueiro na noite daquele 22 de dezembro.

Ataques e devastação ambiental

Segundo Elenira Mendes, filha de Chico, a casa está fechada porque necessita de uma reforma porque sua estrutura está ameaçada. “Com Gladson Cameli (PP) no governo estadual e Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República, não há interesse em manter vivo o legado de meu pai”, afirma ela.

“A destruição do legado do sindicalista vai além do simbolismo.”

No mês anterior, uma estátua do seringueiro foi atacada no centro da capital Rio Branco. Para pessoas ligadas à memória do seringueiro, há indícios de um ataque planejado, porque testemunhas apontam o uso de uma caminhonete para derrubar o monumento. O governo estadual só tomou providências depois de Ângela Mendes, outra filha de Chico, ter denunciado nas redes sociais o ataque. Foram doze dias até que a estátua fosse recolocada em seu local.

A destruição do legado do sindicalista vai além do simbolismo. Um dos alvos dos antigos inimigos de Chico é a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, marco da luta dos seringueiros pela preservação da floresta e de uma economia extrativista e sustentável. Criada em março de 1990 pelo então presidente José Sarney, com pouco mais de 970 mil hectares, a Resex Chico Mendes é um marco ambiental para o país, por ser a primeira deste modelo que une preservação ambiental e exploração econômica. Um projeto da deputada federal Mara Rocha (MDB-AC), em tramitação desde 2019, quer reduzir em 22 mil hectares a área total da reserva. Em sua justificativa, a parlamentar alega que trechos da área já pertenciam a pequenos agricultores que tiravam dela seu sustento com atividades agropecuárias.

O problema vai muito além da proposta. Do primeiro dia do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, até 26 de agosto deste ano, segundo dados do Terra Brasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), a Resex Chico Mendes foi a terceira área de proteção com maior desmatamento do Brasil. No período, foram destruídos mais de 145 quilômetros quadrados de mata nativa.

Luta pela preservação da reserva

Primo de Chico Mendes e morador da Resex até hoje, Raimundo Mendes de Barros, está com 77 anos, mesma idade que o parente mais conhecido teria hoje. Assim como ele, Raimundão Pé no Chão, apelido pelo qual é conhecido entre os seringueiros, participou das lutas dos extrativistas durante os anos 70 e 80. Ele diz que muitos filhos de antigos seringueiros optaram por derrubar a floresta para criar gado ou mesmo vender as antigas colocações – termo usado pelos seringueiros para demarcar a área em que cada um deles trabalha – para fazendeiros. Como a reserva é uma área pública, os terrenos não poderiam ser comercializados. Mesmo assim, o comércio é realizado e pedaços da floresta estão dando lugar ao pasto.

“Raimundão é a prova viva de que é possível sobreviver da floresta ao mesmo tempo em que a preserva. Além da extração de borracha, a família vive da coleta de castanhas.”

Nascido dentro do seringal, assim como o primo, ele deixou a atividade apenas durante alguns anos na década de 70, quando foi funcionário da Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam). A atividade acabou o tornando mais próximo da realidade de outros seringueiros do Estado e fez com que ele enviasse histórias ao Varadouro, importante veículo da imprensa alternativa do Acre, dirigido pelo jornalista Elson Martins. A publicação foi uma das primeiras a dar voz aos seringueiros. Esta história foi importante para levar Raimundão de volta aos seringais. Ele também foi vereador em Xapuri por quatro mandatos. Antes dele, Chico também havia sido vereador na cidade.

Trabalhando na sua colocação ao lado de Rogério, um de seus filhos, Raimundão é a prova viva de que é possível sobreviver da floresta ao mesmo tempo em que a preserva. Além da extração de borracha, a família vive da coleta de castanhas, de pequenas áreas de agricultura de subsistência e da pecuária e criação de animais de pequeno porte, como aves e porcos. “Tudo conforme o plano de manejo da reserva”, explica. “Mesmo na área de pasto, temos plantado castanheiras e seringueiras. São árvores que vão garantir renda para meus filhos e netos”.

Para que isso aconteça, a preservação não pode se restringir à atuação de poucas pessoas. Principalmente por causa das castanhas: “O zangão que poliniza a castanheira, precisa passar por árvores mais baixas primeiro. Por isso, é uma árvore que só sobrevive bem dentro da floresta”, afirma Rogério. Com preços atrativos, a castanha é hoje responsável por quase metade da renda anual de alguns seringueiros. O desmatamento é a ameaça mais imediata a este mercado.


Reproduzido do observatório De Olho nos Ruralistas.

Sobre os autores

é repórter do De Olho nos Ruralistas.

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Published in América do Sul, Análise, Ecologia and História

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